25.07.2014 - Felipe Pousada Prado

Societário
As Poison Pills como instrumento contra tomada de controle arbitrário nas Companhias

A consolidação do mercado de capitais no Brasil verificada na última década, não somente trouxe, como consequência, a abertura de capital de várias companhias, mas também algumas nuances, até então pouco estudadas no direito societário brasileiro.

Logo após a conclusão da operação de abertura de capital de muitas companhias brasileiras, e com a sua consequente comercialização de suas ações no pregão da Bolsa de Valores, constatou-se em alguns casos, que houve a pulverização de suas ações, passando as mesmas serem administradas por acionistas minoritários, detendo um percentual acionário inferior ao comumente verificado nas companhias de capital fechado.

Sem sombra de dúvida, a administração de uma companhia de capital aberto exercida por minoritários, sem deter o seu controle acionário, abre, em tese, uma grande brecha para que novos controladores, sejam estes acionistas ou não destas companhias, possam adquirir uma grande quantidade de suas ações em Bolsa e, em uma operação inesperada e agressiva, tomar de sobreassalto o controle de suas administrações.

Este fenômeno, ainda incipiente no Brasil, mas de largo conhecimento nos Estados Unidos, é comumente chamado de “hostile takeovers” (em português, “aquisições hostis”). Estas aquisições hostis, nada mais são que a tomada de controle da companhia de capital aberto, por meio de uma compra de ações representantivas do poder de controle da Companhia, sem que tenha ocorrido qualquer negociação prévia de condições e/ou de valores, não havendo inclusive, a mínima intenção ou vontade de seu acionista controlador em negociá-las.

Em reação direta e frontal a este fenônemo das aquisições hostis, surgiu na década de 1980, nos Estados Unidos, o instituto jurídico das “poison pills” (em português, “pílulas de veneno”), que tem por finalidade dificultar a aquisição do poder de controle proveniente destas ofertas agressivas e inesperadas, direcionada aos acionistas destas Companhias de capital aberto, sem qualquer tipo de prévia consulta aos seus administradores, onde em muitos casos, a única finalidade destas aquisições visa subdividir a Companhia, e com isto, obter lucro com a venda de suas operações.

No Brasil, a adoção das poison pills ainda é pequena, porém a sua utilização vem crescendo continua e gradativamente, desde 2005. Esta adoção tem sido vista como uma consequência direta do desenvolvimento, amadurecimento e da abertura do mercado de capitais brasileiro, através das boas práticas de governança corporativa, buscando preservar a estabilidade do contole dos controladores com menos de 50% do capital votante.

Por outro lado, a estrutura das poison pills também sofreu pequenas adaptações no Brasil, quando comparadas à realidade estadunidense. Em nosso país, as poison pills vem sendo costumeiramente utilizadas através da imposição da obrigatoriedade, por parte do adquirente, em realizar uma Oferta Pública de Ações (a “OPA”), endereçada a todos os acionistas da Companhia, para aquisição da totalidade de todas as suas ações, através da fixação do preço por cada ação, geralmente fixado acima da variação destas ações registrada no mercado acionário, cujo percentual varia, por praxe no mercado acionário brasileiro, entre a 10% e 35%.

Neste ínterim, os Estatutos Sociais destas Companhias de capital aberto passaram a disciplinar a adoção do mecanismo das poison pills, através da adoção de cláusulas de proteção à pulverização acionária, prevendo a expressa obrigatoriedade da realização de Oferta Pública de Ações, que em tese converte-se em uma penalidade onerosa, ao prever que esta oferta de aquisição do total das ações da Companhia deva ser realizada, pelo adquirente que disparar o gatilho estatutário da poison pill.

Aqueles que se posicionam favoravelmente a adoção deste mecanismo de proteção, asseguram que a previsão estatutária das poison pills força o “adquirente hostil” a negociar diretamente com os administradores destas Companhias, por meio de seus Conselhos de Administração, possibilitando a este, uma maior tranquilidade na análise da oferta efetuada pelos demais acionistas. Crê-se que com esta medida simples, evita-se qualquer tipo de oferta coercitiva pelo adquirente hostil.
Na outra ponta, há aqueles que creem que o mecanismo da poison pill viola frontalmente aos dispositivos legais previstos na Lei das Sociedades por Ações e nos pareceres de orientação da própria Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pois dentre vários argumentos contrários, é que a própria Assembleia Geral de Acionistas da Companhia aberta seria soberana para deliberar a forma e o meio de alienação de suas próprias ações.

Com o amadurecimento do instituto da poison pill no direito societário brasileiro, também é costumeiro efetuar comparações com o instituto da tag-along. Não há nenhum impedimento que impeça a coexistência destes dois dispositivos no Estatuto de uma Companhia aberta, porém estes trazem finalidades distintas, nas hipóteses de alienação de controle societário, através de uma OPA.

Geralmente, o instrumento de tag along busca assegurar que a lei societária (art.254-A, LSA) e o regulamento da BMF&Bovespa seja cumprido, na hipótese em que o próprio acionista controlador decida retirar-se da Companhia. Neste caso, não há a concretização de uma “oferta hostil” de aquisição do controle acionário. Além disto, uma OPA de tag along não será aplicável em casos de alienação do controle da Companhia, uma vez que estas ações serão adquiridas por novo controlador definido e conhecido dos demais acionistas.

Neste caso, não há nenhum risco à administração da Companhia, pois a transferência de controle não causará qualquer tipo de impacto que possa afetar a dispersão ou a liquidez da Companhia, tendo como consequência a concentração do capital votante sob terceiros, o que em sentido contrário, seria uma justificativa para acionar-se o mecanismo da poison pill.

Em tese, desde que haja uma harmonização entre a adoção de ambos os institutos, o estatuto de uma companhia aberta poderá prever normas para a realização de uma OPA em ambas as situações, como por exemplo, de uma OPA de poison pill que venha a ser subsidiária à realização de uma OPA de tag along.
A análise que depreendemos da aplicabilidade da poison pill é que, como todo instrumento inovador e de recente adoção ao direito societário brasileiro, ainda necessitará de um tempo hábil para análise de suas implicações diretas e indiretas, suscitando novas discussões no âmbito da comunidade jurídica.